Pequenos investidores ampliam presença na Bolsa e já influenciam cotação das ações.
O Globo 30-09-2019 com Trader Brasil
Em cinco anos, número de pessoas físicas mais que dobra na base de acionistas de metade das empresas do Ibovespa.
Com o salto de 64% no número de CPFs cadastrados na Bolsa de São Paulo, a B3, em apenas oito meses, os pequenos investidores vêm conquistando o que não tiveram nos últimos anos: a capacidade de influenciar os rumos das ações. Já são 1,3 milhão de pessoas físicas na Bolsa. Segundo levantamento do GLOBO, 33 das 65 empresas que compõem o índice Ibovespa pelo menos dobraram sua base de pequenos acionistas desde 2014.
Por trás desse avanço está a queda dos juros ao piso recorde, a massificação de plataformas abertas de investimento e o surgimento de casas independentes de análise e influenciadores em redes sociais dedicados a finanças. Se o movimento aproxima o Brasil da realidade de outros países, a maior presença de pequenos na Bolsa traz desafios para empresas, gestoras e reguladores.
Preparação para investir

Para se aventurar na Bolsa, os investidores têm buscado educação financeira. Na Trader Brasil Escola de Finanças, o curso intensivo de imersão na Bolsa, que ocorre no Rio e em São Paulo, já teve 800 alunos este ano, 33% mais que em todo o ano passado, diz o fundador Flávio Lemos.
O administrador Robert Will, de 28 anos, foi um dos alunos da Trader Brasil, mas começou a se interessar mesmo pelas ações na internet. Ele, que só aplicava na poupança e em CDBs, agora se prepara para comprar suas primeiras ações. E já vislumbra se credenciar para trabalhar no futuro como assessor de investimentos:
— Comecei a ver vídeos sobre finanças e passei a me deparar com informações sobre oportunidades de ganhar dinheiro no noticiário. Resolvi, então, procurar os caminhos.

José Carlos Pereira, de 24 anos, que administra um brechó na Zona Norte do Rio, fez seu primeiro aporte na Bolsa este ano e agora já tem 35% dos investimentos em ações:
— Foi um misto de necessidade, porque os juros caíram, e acesso a conteúdos financeiros pela internet.
Márcio Correia, da gestora JGP, tem observado este ano comportamentos atípicos que atribui à entrada de pequenos investidores na Bolsa:
— Quem conhece o mercado sabe que a pessoa física age de maneira diferente. Sabemos por meio do tipo de corretora que usa, pelo fato de a ação ter uma variação muito brusca sem qualquer notícia relevante e pelo volume alto de procura quando há desdobramentos (quando uma ação é dividida em várias) de ações. A pessoa física também adora penny stocks (ações que valem centavos), cujos lotes são mais acessíveis e com as quais pode-se ganhar muito mais rápido.
No caso do Banco Inter, o salto de 200% das ações este ano foi concentrado nos últimos três meses, justamente depois de o banco realizar um desdobramento em que cada ação se transformou em seis, barateando seu valor unitário. Desde o ano passado, sua base de pequenos acionistas cresceu de 23,9 mil para 87,4 mil.
Redes sociais influenciam
A Oi, cuja ação ordinária vale hoje menos de R$ 1, viveu uma montanha russa este ano. A ação chegou a cair 27% em um pregão para subir 21% alguns dias depois. Segundo Correia, oscilações tão bruscas sem motivo aparente são provocadas por pessoas físicas, que reagem de maneira mais emocional que os profissionais de instituições investidoras, ainda a maior parte dos agentes do mercado.
Desde 2014, a Oi ganhou 30,6 mil novos acionistas pessoas físicas, mesmo tendo perdido muito valor de mercado com sua recuperação judicial, a partir de 2016.
— Casos como Via Varejo (cuja ação subiu 67% desde julho após mudanças no seu comando) e Oi são reação a comentários no Twitter “na veia” — diz Henrique Bredda, sócio da Alaska, uma das gestoras de fundos de ações mais badaladas do momento, com mais de 150 mil cotistas.
Com 73,3 mil seguidores no Twitter, Bredda é uma das estrelas da chamada FinTwit, como é conhecida a comunidade que discute investimentos nas redes sociais. O gestor contou que entrou na rede em 2016, para se proteger de quem falava mal da Alaska. Gostou tanto que, hoje, dedica boa parte do tempo à rede:
— O Twitter e outras redes sociais aproximam o investidor que nunca ouviu falar do assunto a entrar na Bolsa. Mas o investidor tem que saber que, no Twitter, tem de tudo, de gente séria a marqueteiros.

De acordo com gestores, também tem sido determinante no movimento dos papéis as recomendações de casas de análise independentes — focadas no atendimento a pessoas físicas apenas com recomendações, sem vender produtos financeiros — e comentários de influenciadores.
No caso do Inter, um fator por trás da alta apontado no mercado foi uma recomendação da Empiricus, a maior das casas independentes, conhecida pelo marketing agressivo e embates com a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), reguladora do mercado. Outra evidência do interesse dos pequenos foi a marca de 260 mil visualizações de um vídeo do influenciador Thiago Nigro, o Primo Rico, sobre o desdobramento das ações do Inter.
— Exemplos como os de Oi e Inter mostram que o cliente começa a ter um instinto mais forte em ações — diz Laio Santos, que comanda a corretora Rico. — Com a queda dos juros, o brasileiro vive o choque de ter que tratar de suas finanças de forma mais cuidadosa.
Na Nord Research, outra casa independente, a base de clientes tem aumentado 10% ao mês, diz o sócio-fundador Renato Breia.
— Alguns educadores financeiros não têm certificação para fazer recomendação de ações. Tem muita gente boa, mas todo dia surge um novo. É preciso pesquisar suas credenciais antes — alerta.
Desafio para empresas
A CVM alerta que é preciso ter cuidado na hora de buscar informações sobre o mercado. Uma boa fonte é a seção “Proteção e Educação ao Investidor” do seu site. É possível consultar corretoras, consultores e outros participantes registrados. “Muitos golpes financeiros teriam sido evitados com uma simples consulta ao site da CVM”, diz a autarquia em nota. De hoje a domingo, a CVM organiza a 3ª Semana Mundial do Investidor , com palestras sobre o assunto.
Márcio Correia, da JGP, lembra que o entusiasmo das pessoas físicas com a Bolsa guarda paralelo com o que houve no milagre econômico, nos anos 1970, “quando as pessoas passaram a vender casa para comprar ação”. Hoje, ele observa uma corrida mais organizada, ligada a uma “redução sustentável dos juros.” O potencial é grande, já que o Brasil está longe da situação de países desenvolvidos. Nos EUA, mais de metade da população tem ações.
— Embora estejamos distantes de uma bolha, há um risco para todo mundo. O investidor institucional conclui que não pode ficar de fora, e o pequeno investidor gosta de um jogo perigoso, de apostar para ganhar muito — diz Correia.
Em 2007, quando a quantidade de investidores duplicou e também ultrapassou 20% do volume, a alavanca foi a chegada de novas ações à Bolsa. Dessa vez, as aberturas de capital não têm acompanhado a alta demanda. Mas Felipe Paiva, diretor de relacionamento com clientes da B3, acredita que o ritmo de emissões está crescendo e pode potencializar a entrada da pessoa física na Bolsa.
O crescimento é um desafio para as empresas. Segundo pesquisa recente da Deloitte e do Instituto Brasileiro de Relações com Investidores (Ibri), apenas 21% das companhias têm prática voltada à captação das pessoas físicas.
A JHSF, especializada no setor imobiliário, decidiu se mexer. No ano passado, monitorou fóruns de internet para identificar pessoas que influenciavam o debate sobre a companhia na rede. Convidou oito deles para um jantar com o departamento de RI com o objetivo de esclarecer dúvidas sobre a empresa, conta o diretor-presidente Thiago Alonso de Oliveira. Depois, passaram a participar de vídeos nos canais de influenciadores, casas de análise e plataformas.
— Empresas small caps (menores) têm que usar a criatividade porque vivemos na escassez — diz Oliveira.


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